A Paróquia Sagrado Coração de Jesus, em Mariana, viveu um momento especial de graça com a dedicação de sua Igreja Paroquial no dia 30 de Junho deste ano.
Esta festa, histórica na sede da Arquidiocese, nos faz pensar no significado de uma dedicação de Igreja. Esta é uma prática eclesial muito antiga e também é uma das cerimônias mais ricas pelo seu simbolismo.
O que é este rito? Qual é seu sentido? Quais são as partes principais?
Antes de qualquer resposta é preciso levar em conta que estamos falando de uma festa eminentemente eclesial, ou seja, uma atividade que envolve o sentido mais profundo do ser Igreja e pertencer ao Povo Eleito de Deus.
Israel da antiga aliança foi crescendo na consciência de que formavam um povo, aliás, isto foi decisivo para a constituição de sua história. A caminhada do êxodo, a páscoa primeira, definiu os rumos de um povo que vive sob a marca da promessa de Deus de vida em abundância.
Com a organização do templo de Jerusalém foi se estabelecendo uma teologia e uma liturgia em torno dele. O povo aprendeu que um espaço para o culto é mais que um espaço físico. É o lugar da presença do próprio Deus. Por isso a importância que as pessoas sempre tiveram com ele.
“Na plenitude dos tempos”, Jesus Cristo, o filho de Deus, veio revelar, dando pleno cumprimento à primeira aliança, que todo aquele que adere à sua pessoa pelo batismo se transforma na própria morada divina. Torna-se templo do Espírito Santo, pedra viva do edifício espiritual, membro do corpo de Cristo no qual ele é a cabeça.
Com muita razão, desde a antiguidade deu-se o nome de "igreja" também ao edifício no qual a comunidade cristã se reúne, a fim de ouvir a palavra de Deus, rezar em comum, frequentar os sacramentos, celebrar a Eucaristia.
Por ser um edifício visível, esta casa aparece como sinal peculiar da Igreja peregrina na terra, e imagem da Igreja habitante nos céus. Este é o sentido da dedicação e é por isso que é uma festa eclesial. A disposição geral do edifício deve manifestar de algum modo a imagem do povo reunido e permitir uma ordem inteligente, bem como a possibilidade de se exercerem com decoro os diversos ministérios.
No presbitério, o altar, a cadeira do presidente da celebração, a mesa da Palavra, o sacrário devem formar uma unidade que expressa a nobre simplicidade pedida pelo Concílio Vaticano II. Igualmente, deve ser prática e confortável para atender ao que se exige na celebração dos sacramentos, sobretudo do Batismo e Penitência.
Toda igreja a ser dedicada deve ter um padroeiro, um titular. Este será a invocação pela qual os fiéis terão a oportunidade de vivenciar sua vida de fé com devoção e proteção.
O Ministro da Dedicação é o bispo, a quem foi entregue o cuidado da Igreja local. Compete a ele dedicar a Deus as novas igrejas construídas em sua diocese.
Rito de Dedicação
Escolhe-se, como data da dedicação, um dia em que os fiéis possam estar presentes em maior número, especialmente um domingo. Neste rito, a ideia de dedicação tudo envolve. Na paróquia em Mariana, por exemplo, foi escolhido o último dia da novena da festa do Coração de Jesus, titular da Igreja e da paróquia.
A celebração da Missa está intimamente unida ao rito da dedicação de igreja. Por isso, quando se dedica uma igreja, seguem-se os textos próprios, tanto da liturgia da Palavra quanto da Eucarística, omitindo os pertencentes à liturgia do dia. Convém que o bispo concelebre com aqueles que receberam o encargo de dirigir a paróquia ou comunidade, em favor da qual foi edificada a igreja.
No início da celebração acontece a abertura da Igreja pelo responsável por ela, seja o padre ou reitor. Ela é entregue simbolicamente pelos construtores, ou um representante, ao bispo. Este gesto mostra que a construção foi obra de várias pessoas que ofereceram seus dons para a Igreja.
Tudo que é usado especificamente para o culto deve ser abençoado. A Igreja é abençoada, juntamente com o povo, com aspersão da água benta. Isso também nos lembra das águas do batismo que nos inserem no corpo místico de Cristo.
Antes da liturgia da Palavra os leitores recebem do bispo o lecionário com a exortação de que a Palavra de Deus que será proclamada no templo ressoe nos corações dos fiéis.
A primeira leitura, no entanto, é sempre Ne 8, 2-4.5-6.8-10. O trecho lido mostra o solene momento no qual a comunidade judaica é constituída como povo através da promulgação da lei; é o dia do nascimento do judaísmo. A assembleia escuta de pé a lei (estar de pé, sinal de prontidão, atenção, ressurreição, vida). O povo é questionado e colocado diante das próprias responsabilidades e deveres em relação a Deus, como comunidade de aliança. Acontece uma liturgia verdadeira. Esdras abençoa o povo, os presentes respondem “Amém” levantando as mãos e em seguida ajoelhando. São gestos e aspectos litúrgicos muito semelhantes às celebrações que se davam na sinagoga.
Na liturgia da dedicação, este texto bíblico quer evidenciar que o anúncio e a acolhida da palavra, a adesão pela fé, formam, plasmam a comunidade. A comunidade, pela escuta da palavra, é constituída “assembleia litúrgica”. O acontecimento contado na leitura antecipa a constituição da “igreja” viva e se torna comprimento e realização daquilo que na leitura é profecia.
Dentre as possibilidades do ritual para a segunda leitura, Há o texto de 1Cor 3,9-11.16-17. Ele mostra que a comunidade cristã é o verdadeiro templo da nova aliança, templo vivo que substitui o templo de pedra. O Espírito que está na comunidade realiza a presença da glória de Deus nela, glória esta prefigurada no templo de pedra.
Este texto proclamado encontra a sua atualização no sentido de que a igreja de pedra, material, é símbolo do edifício vivo de Deus, sinal do templo escatológico formado por todos os que crêem. Edifício, que tem o seu fundamento em Jesus Cristo, é santificado pelo Espírito e é propriedade do Pai. É interessante observar que a comunidade cristã cresceu na consciência de que a casa material se torna símbolo da comunidade viva das pessoas.
Prece da dedicação
A celebração da Eucaristia é o rito principal e o único indispensável para a dedicação da igreja; contudo, em conformidade com a tradição comum da Igreja tanto no Oriente como no Ocidente, há uma prece de dedicação, em que se afirma o propósito de dedicar para sempre a igreja ao Senhor e se implora sua bênção.
Os ritos de ungir, incensar, revestir e iluminar o altar manifestam, por meio de sinais visíveis, algo das obras invisíveis que o Senhor realiza através dos divinos mistérios da Igreja, sobretudo pela celebração da Eucaristia.
a) Unção do altar e das paredes da igreja:
Em virtude da unção, o altar torna-se símbolo de Cristo, que é o "Ungido” por excelência e assim é chamado; pois o Pai o ungiu com o Espírito Santo e o constituiu Sumo Sacerdote, porque no altar de seu Corpo ofereceu o sacrifício da vida pela salvação de todos. A unção da igreja significa que, toda inteira e para sempre, está consagrada ao culto cristão. São doze as unções, conforme a tradição litúrgica, ou, conforme a ocasião, quatro; querem significar que a igreja é a imagem de Jerusalém, a cidade santa, sustentada pelos doze apóstolos do Cordeiro.
b) Incensação:
O incenso é queimado sobre o altar, simbolizando o sacrifício de Cristo, que aí se perpetua no mistério, subindo a Deus em odor de suavidade; contudo, exprime também que as orações dos fiéis chegam ao trono de Deus pacificadoras e agradáveis. Incensar toda a igreja indica ser ela agora, pela dedicação, uma casa de oração; mas, antes de tudo, incensa-se o povo de Deus, pois é o templo vivo, no qual cada fiel é um altar espiritual.
c) Revestimento:
O revestimento indica que o altar cristão é ara do sacrifício eucarístico e mesa do Senhor; ao seu redor os sacerdotes e os fiéis, numa única e mesma ação, mas com encargos diferentes, celebram o Memorial da morte e ressurreição de Cristo e participam da Ceia do Senhor. Por isso, é preparado e festivamente ornado como mesa da refeição sacrifical. Desse modo, vê-se claramente ser ele a mesa do Senhor, ao redor da qual todos os fiéis se reúnem com alegria para se saciarem com o divino alimento, o Corpo e Sangue de Cristo imolado.
A iluminação do altar, seguida pela iluminação da igreja, lembra-nos que Cristo é "a luz para a revelação aos povos”, com sua claridade resplandece a Igreja, e, através desta, toda a família humana.
Celebração da Eucaristia
Preparado o altar, o bispo celebra a Eucaristia, parte principal indispensável e a mais antiga de todo o rito. De fato, nada mais adequado à dedicação de uma igreja do que a celebração da Eucaristia. Além disso, a Eucaristia, que santifica aqueles que a recebem, também de certo modo consagra o altar e o local da celebração, como os antigos padres da Igreja por mais de uma vez afirmaram: "Este altar é admirável, porque por natureza é uma pedra; mas se torna santo depois que o Corpo de Cristo sobre ele repousou".
Por fim, inaugura-se o sacrário e descerra-se a placa. A Igreja estará pronta para ser o ponto focal de toda a vida eclesial. Sobretudo uma Igreja Paroquial congrega e anima toda a paróquia entorno do Cristo vivo e ressuscitado, caminho, verdade e vida.
Finalmente, refletir sobre alguns dos aspectos de uma dedicação de Igreja nos faz animar na vivência de uma fé que se baseia na Tradição e que se renova a cada dia. Sejamos cristãos conscientes e animados a construir o edifício espiritual que é a Igreja Viva.
Thiago José Gomes
* Texto baseado na introdução do ritual de dedicação aprovado pela Santa Sé, com algumas reflexões extraídas do livro de Giuseppe Ferraro: Cristo è l’altare – liturgia di dedicazione della chiesa e dell’altare. Ed. OCD – Roma 2004.